sábado, 15 de março de 2014

Nostalgia


Cresci com um fascínio autêntico pela linda garrafa do vinho Gatão, maravilhada pelo rótulo com aquele gato das botas de garrafa debaixo do braço, rótulo a conter outro rótulo que, por sua vez, continha mais outro rótulo, e esse mais outro, e assim até ao infinito. Lembro-me de em pequena pasmar sempre, encantada, para um daqueles cartazes publicitários de vidro pintado de outros tempos, na Rua Braamcamp, entalado entre a charcutaria e a Madame Campos (Academia Científica de Beleza Madame Campos, conceituado e célebre instituto de beleza onde fiz a minha primeira limpeza de pele, aos 16 anos, por causa de umas borbulhinhas que me fizeram ter medo de ficar com acne, esse pesadelo da adolescência ao qual graças a Deus fui poupada, ao contrário de algumas amigas minhas).

Sei que, só por causa da garrafa e do rótulo, foi o primeiro vinho verde que provei, e nos anos 80 era sempre o vinho que bebia com o Zé nos nossos jantares no Peipin, o restaurante chinês da Duque de Loulé a que éramos afeiçoados e que tinha um empregado igualzinho a Hercule Poirot.

Não sei quem terá sido a nódoa da direcção dos Vinhos Borges que resolveu, julgo que a meio dos anos 90, mudar as duas coisas, a garrafa e o rótulo, nem quem terá sido autor do ranhosíssimo resultado final. Só sei que, quando dei pela mudança, nunca mais bebi Gatão.