domingo, 7 de janeiro de 2007

MARROCOS REVISITED

Grandes são os desertos, minha alma, e tudo é deserto.
Álvaro de Campos

Resolvi iniciar este blog como uma surpresa e um presente para os meus queridos Zé e Carlos, a quem me liga uma amizade de quase vinte anos.

As razões são várias. A primeira e mais importante é o facto de querer de alguma maneira preservar o diário de bordo que então comecei, com grande profusão de pormenores. Tamanha profusão de pormenores, na verdade, que me fiquei pelo terceiro dia de uma viagem que durou três semanas.

É certo que tenho atenuantes. Os nossos dias eram muito cheios e fatigantes. A partir do meio da tarde começávamos a procurar um sítio para pernoitar, forçosamente próximo de um riacho. Eu era a eterna angustiada do banho, e just in case, como tinha uma profunda desconfiança em relação àquele país que já conhecia e tinha detestado, não obstante tê-lo visitado pela primeira vez em regime de grande luxo (La Mamounia, Palais Jamai, etc.), ia devidamente abastecida de um saco de supermercado a abarrotar de... toalhetes perfumados TAP, fornecidos pela minha irmã, hospedeira à época. Devo dizer que consegui tomar banho todos os dias, mas os toalhetes foram bastante úteis para calar os bandos de fedelhos ranhosos e impertinentes que nos assaltavam em cada aldeia que atravessávamos a reclamar Cadeau! Cadeau! Cahier! Cahier! E ainda rio só de pensar como aqueles presentes devem ter sido desconcertantes para o raio das criancinhas.

Mas não devo dispersar-me, mesmo sendo tantas as memórias que agora vêm visitar-me. O nosso ritual de fim de dia era invariavelmente igual. Montava-se o acampamento – incumbência minha – , cozinhava-se o jantar, incumbência do Carlos, fazíamos jus às suas habilidades culinárias (continuo a considerar umas certas douradas compradas a um pescador já no antigo Sahara Espanhol um dos mais memoráveis jantares de toda a minha vida), lavava-se a loiça (tarefa minha, já que por sistema era sempre em mim que recaíam os trabalhos mais humilhantes). E então, e só então, eu sentava-me junto à fogueira, quando havia fogueira, de caderno no colo e caneta em punho – julgo que tenho uma fotografia de um desses momentos. Mas a essa hora já estava demasiado estoirada, e cedo comecei a rabiscar apenas apontamentos telegráficos das principais ocorrências do dia.

O diário de bordo, sabe-se, ficou pelo terceiro dia. Ao longo de todos estes anos o Carlos e o Zé têm-me azucrinado o juízo para eu o concluir, coisa que agora é impossível. Nas minhas sucessivas mudanças de casa nestes quase vinte anos, o caderno das anotações levou descaminho. Ficou-me só o pouco texto que passei para o computador ao voltar a Lisboa, que já digitalizei e agora posso pôr aqui.

Vamos pois a isto. Vocês, meninos, têm centenas de fotografias – muito penei eu com essas constantes paragens! – , forneçam-mas que eu ponho-as todas neste espaço que é bem mais vosso do que meu, mera escriba que sou.

Espero que gostem. Bem sabem que adorei a nossa viagem mas, como eu digo desde então... havendo vida e saúde, e se Deus for meu amigo... nunca mais ponho os pés em Marrocos!

ATENÇÃO AO MERCEDES!*

* Private joke, nossa e muito só nossa. Certamente um dos episódios mais caricatos de toda a viagem. Ainda se lembram?


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