segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Foto de Henrique Real, 2006, Patagónia

Por Clara Queiroz Lopes




Faz 6 anos que cá estamos sem o Zé. Sinto que estes 6 anos não o afastaram de mim, nem um pouco. Por vezes, vamos deixando ir pessoas de quem gostámos muito. Mas não o Zé. O Zé não é pessoa que eu deixe partir, ou ir partindo. A natureza da relação que tínhamos não depende do tempo ou da presença física. Foi outra coisa mais concreta do que o tempo, por isso não tem fim.

Não tenho nada assinalável para contar do que foram os momentos que passámos juntos: não houve grandes aventuras, exotismos, conversas profundas. O Zé aparecia e pronto, o mundo estava certo.

Tudo o que eu fazia lhe parecia extraordinário. Nunca as minhas pequenas obras conseguiram impressionar tanto alguém (nem a ti Olivier!). Eu discordava, “oh Zé, que exagero!”, mas ele tinha visto o desenho de uma casa, uma certa chaminé e passados anos ainda me dizia: “ai menina, aquela chaminé” (e eu ficava feliz por ser minha a chaminé)!

De vez em quando aparecia-me no atelier às 4 da tarde, sem avisar. Entrava levezinho, sorridente: "Então, vamos buscar a Matilde?” Gostava de ir buscá-la comigo. E na espera, no parque de estacionamento, deitava o olho às mamãs aperaltadas das outras crianças. Depois chegava a Matilde e era uma alegria. Eu brincava: “o que o Zé quer é ir ver as mamãs!” Às vezes trazia o Carlos, sempre às 4. E lá íamos em euforia até à escola. Grandes marotos!

Se vinha jantar a minha casa, quando me separei, não esquecia a caixa de ferramentas. E enquanto eu cozinhava ele pendurava os quadros, os candeeiros, montava as estantes no quarto da Matilde. Volta e meia levava-me ao Murtal, a um restaurante que só ele conhecia, onde se comia o melhor peixe. E um dia disse-me: “se a menina algum dia precisar de dinheiro, vem logo falar comigo”. Nunca fui e nunca vou esquecer. Que bom Zé, obrigada!

Um dia, ao volante do seu Mercedes, numa estrada sinuosa da costa alentejana, encostou o carro e disse-me: “venha a menina conduzir”. No lugar do pendura, poucas instruções me deu: um sorriso silencioso, muito doce, foi a marca do nosso passeio.

Clara

Sem comentários: