segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

A Demanda do Alguidar - Parte I



Ai, o alguidar! O que eu penei para ter um alguidar!

Será preciso explicar aos leitores mais desatentos que, na minha categoria de membro da expedição a quem calhavam sempre as tarefas menos nobres, a compra do dito foi uma espécie de ascensão do Inferno ao Purgatório. Palavrinha de honra! Só eu sei o que era fazer incontáveis viagens ao regato com pratos, copos, talheres e demais apetrechos de cozinha nas mãos, pousar tudo nas ervas, ou calhaus, ou o que fosse. Porque a essa hora os meninos filosofavam à beira da fogueira e cá a sqwaw ainda estava de serviço...

Já não sei onde foi que finalmente conseguimos comprar o alguidar, mas este retrato atesta à saciedade a boa compra que foi. O Dr. Carlos Vatel Gomes usa-o para dar banho ao jeep, julgo que já perto de Ouarzazate e depois da descida da montanha - a tal que me ia fazendo morrer de medo. Em boa verdade, se não morri então de ataque cardíaco é porque me está destinada outra morte qualquer. Nota máxima para a condução do Carlinhos à beira daquele precipício (confesso que fechava os olhos a toda a hora), nota máxima para o carinho do Zé, sempre aquele grande senhor, que acabou aquela descida que me pareceu levar séculos aflito do braço esquerdo, tamanha a força que tinha de fazer a segurar-me para que os solavancos me magoassem o menos possível. A famosa contractura muscular que fiz logo ao 3.º ou 4.º dia, quando caí lá no raio das piscinas naturais. E ainda vocês se admiram por eu odiar este país!

No meio daquele pesadelo que foi a descida por aquela vereda de montanha, só me lembro de pensar a toda a hora: Se nos aparece alguma coisa pela frente, nem que seja um burro, ninguém sai daqui vivo!

Lembro-me também, porque nada tem uma força evocativa maior do que a música ou os perfumes, que estava a tocar King Crimson, In the Court of the Crimson King. Que era do Carlos e eu não conhecia - isto de ser perto de 20 anos mais nova tem os seus inconvenientes. Ainda hoje, quando oiço o disco, tenho rápidos lampejos de precipícios na montanha e de rodas do jeep quase a trilharem o vazio nas curvas. A descida foi tão longa que até deu para ouvirmos também o meu Songs of Leonard Cohen, senhor muito cá das minhas obsessões.

Oh the sisters of mercy,
they are not departed or gone.
They were waiting for me
when I thought that I just can't go on.
And they brought me their comfort
and later they brought me this song.
Oh I hope you run into them,
you who've been travelling so long.

Yes you who must leave everything
that you cannot control.
It begins with your family,
but soon it comes around to your soul...

Eu sou tramada, meninos...! Como foi que eu acabei a citar Leonard Cohen quando o tema era um humilde alguidar e a sua grandiosa demanda?

1 comentário:

Teresa disse...

Carlinhos, estás um artista!

Só agora, ao publicar a heróica história do alguidar, reparei que o teu nome já constava e que até tinhas alterado o formato. Vais ver que ainda nos havemos de divertir imenso com isto!

BOA!!! (menos boa é o raio da insónia com que estou...)